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Tristes & utópicos

Me arrisco a dizer que a maioria das salas de professores no Brasil sempre se dividiu de maneira clara e não equânime em dois grupos distintos de profissionais: os tristes e os utópicos. De tempos em tempos a quantidade de integrantes em cada um desses grupos se alterna significativamente, num processo às vezes lento, outras vezes, nem tanto. Os tristes eram aqueles que, a despeito da idade, já tinham se deixado abater por algumas dificuldades inerentes à docência: a relativamente comum falta de interesse de alguns alunos, a constante correria entre uma escola e outra, a exaustão gerada por um trabalho que não se deixa para trás e que nunca termina... Negligenciados, todos esses fatores levam de fato qualquer um à fadiga; associados a salários injustos (quando não humilhantes), esses mesmos fatores com facilidade conduzem o profissional a um estado bastante compreensível de tristeza constante e até de certo rancor. Como espécie de antídoto à melancolia dos tristes, sempre
Postagens recentes

Era uma vez (ou Um conto de fodas)

Era uma vez uma senhora de idade incerta e duvidosa chamada Democracia. Uns diziam que ela era muito velha; ela, por sua vez, sempre que perguntada sorria ambígua e afirmava ainda nem ter nascido de verdade. Certo é que a Democracia já tinha tido vários casos: Tribos, Impérios... e Repúblicas também, sem problemas com o gênero de sua eventual companhia.                 Não tinha se casado com ninguém, não tinha filhos. Cansada de se entregar e ser traída, ela havia resolvido viver de momentos. Carpe diem, dizia.                 Mas – como acontece com todo mundo – um dia a Democracia se apaixonou de verdade. Achou que daquela vez seria pra sempre. Era um garotão espadaúdo de nome Mercado. Falastrão, ele repetia a toda hora que era “liberal” e esse era seu maior “mérito”.                 Chegou de mansinho, acenou, flertou, mandou flores (artificiais), chamou pra jantar, dançar, e, quando a Democracia deu por si, eles já andavam de braços dados, como se fossem amantes desde sempre. D

Caridade e violência

           Em meio a assaltos, arrastões, balas perdidas, tiroteios, sequestros-relâmpago, tráfico de drogas e crimes de colarinho branco por toda parte, é bastante difícil compreender e praticar a caridade – ampla e irrestrita, como a maioria das religiões prega, aquela sem a qual espíritas e umbandistas acreditam que “não há salvação”. Ainda assim, ou justamente por isso, é importantíssimo pensar sobre o assunto de maneira lúcida, cuidadosa. Essa é a condição para fugir da simplificação tola, da incoerência e, no limite, da pura reprodução do mal. Vivemos tempos muito difíceis, é certo. Entretanto, é engano pensar que “nunca vivemos tempos tão difíceis”, porque “antigamente a violência não era tanta”, hoje “já não se tem mais respeito por nada” e “os valores estão perdidos”... Nada disso é verdade. Quem diz isso olha só para o presente e se esquece, por exemplo, de que, no Brasil, há pouco mais de 130 anos, era legal e comum açoitar pessoas escravizadas; há 60 ou 50 anos ta

Sem intimidação

Sou aluno da Unicarioca ( campus Rio Comprido). É desse lugar que quero me manifestar sobre as ofensas racistas recém publicadas na internet, sob anonimato, direcionadas à instituição e a um grupo específico de seus alunos, grupo no qual me incluo. O anonimato, aliás, é prática comum entre os covardes – esses, sim, justo motivo para nojo. Preciso, portanto, me apresentar.                 Meu nome é Luciano Carvalho do Nascimento. Eu sou negro, de origem pobre. Sou doutor em Literaturas (UFSC), mestre em Língua Portuguesa (UFRJ) e especialista em Leitura e Produção de Textos (UFF). Há onze anos sou professor da rede pública federal de Ensino Básico, com passagem em pelo menos duas instituições de ensino das mais respeitadas no país. Além de produção acadêmico-científica condizente com minha titulação e atuação, tenho ainda boa experiência em coordenação de projetos sociais ligados à educação de populações em situação de vulnerabilidade social.                 Pois é: sou negro, te

"Estrelas na terra", monólitos no ar

Já com muito atraso assisti, há poucos dias, “ Como estrelas na terra ” ( do original : Taare Zameen Par . Direção: Aamir Khan. Índia: 2007, 2h 55min.),  na íntegra aqui .  É  um filme essencial. Essencial para o desenvolvimento da Humanidade em todas as pessoas; mas, sobretudo, para a formação de profissionais da Educação. No momento atual de nosso país, ainda mais. Porque só será capaz de “ver e ouvir” “estrelas na terra” quem entender que a Educação não pode continuar a ser um improvável monólito no ar. E é exatamente isso que ela tem sido há séculos; no Brasil, pelo menos. A história do encontro do menino Ishaan Awasthi com Nikumbh, seu professor de artes, seria apenas mais uma narrativa comovente de dificuldades superadas com esforço e boa vontade se não fosse um traço bastante peculiar: a despeito das aparências, nenhum dos dois é, na realidade, o protagonista da trama. Nela, o personagem principal é o próprio processo ensino-aprendizagem, seus pontos cegos, suas escarpas

João e Maria

João sempre foi um bom menino, não deu o menor trabalho aos pais: era educado, gentil, ajudava a cuidar dos irmãos mais novos, ia razoavelmente bem na escola... Chegou aos 17 anos sem nunca ter experimentado álcool, fumo ou qualquer outra droga; também não tinha experimentado ainda a paixão. O primeiro emprego de João foi de balconista na mesma padaria onde ele trabalha até hoje, ainda como balconista, aguardando a aposentadoria (que viria rápido, só faltavam 10 anos, agora ele não sabe como será...). João não bebe, não fuma, nunca usou qualquer outra droga. Nunca se apaixonou. Nunca teve tempo pra essas bobagens.                 Maria é uma boa mulher: boa esposa, boa mãe, boa filha, boa funcionária... Todo mundo gosta muito dela e tem sempre alguém repetindo: “Maria?! Que pessoa boa”! Desde que os meninos, um casal de gêmeos, entraram no colégio, ela acorda todo dia às 4:30h para ter tempo de, antes de sair pra pegar o ônibus das 05: 30h, preparar o café da manhã pro marido e

"BANDEIRA BRANCA, SINAL VERMELHO"

Meu primeiro livro, "Bandeira branca, sinal vermelho", já está disponível em < Clube de autores >.  É uma antologia de contos curtos, tratando de questões relacionadas às identidades. Leia!